Quase dois anos após a descoberta de Gliese 581g, o celebrado "primeiro exoplaneta potencialmente habitável", os seus descobridores continuam a lutar pela sua existência.
A descoberta de Gliese 581g fez manchete em todo o mundo em Setembro de 2010, porque dizia-se que o planeta orbitava no meio da "zona habitável" da sua estrela-mãe - a distância ideal onde água líquida, e talvez a vida como a conhecemos, pode existir.
Apenas umas semanas depois, no entanto, outra proeminente equipa de pesquisa começou a levantar dúvidas acerca da descoberta, afirmando que o planeta extrasolar não aparecia nas suas observações. Este grupo, liderado por Michel Mayor do Observatório de Genebra na Suíça, tinha descoberto os anteriores quatro planetas conhecidos no sistema Gliese 581.
Mas num novo estudo que será publicado a 1 de Agosto, os descobridores de 581g examinam os dados mais recentes da equipa suíça e levantam dúvidas acerca das suas conclusões, dizendo que a evidência afinal suporta a existência do planeta. Os dados e análises "apontam para a existência de pelo menos outro planeta para além dos quatro confirmados, um quinto planeta, com um período entre 26 e 39 dias," afirma Steve Vogt, astrónomo da Universidade da Califórnia, em Santa Cruz, EUA. "Este quinto planeta terá uma massa de apenas 2-3 vezes a da Terra, e orbita quase no meio da zona habitável da estrela," afirma.
O sistema Gliese 581 é um quási-vizinho da Terra, localizado a apenas 20 anos-luz de distância. A 29 de Setembro de 2010, Vogt e a sua equipa anunciaram a descoberta de dois novos planetas no sistema, elevando o número de mundos conhecidos para seis. Um dos recém-descobertos planetas, 581f, está situado longe da estrela-mãe, completando uma órbita a cada 400 dias. Mas 581g recebeu muito mais atenção, porque dizia-se que era o primeiro mundo rochoso e tipo-Terra, descoberto na zona habitável.
Vogt e sua equipa detectaram os dois planetas usando o método de velocidade radial - ou Doppler -, que procura pequenas oscilações no movimento de uma estrela provocadas pelas atracções gravitacionais de planetas em órbita. Estudaram dados de dois instrumentos diferentes: o espectrógrafo HARPS, acoplado a um telescópio no Chile, e o espectrógrafo HIRES, no Telescópio Keck no Hawaii.
No entanto, numa conferência astronómica em Outubro de 2010, a equipa suíça anunciou que não conseguiram descobrir 581f ou 581g num conjunto de dados expandidos do HARPS. Ao longo dos meses seguintes, outros grupos de investigadores também colocaram em causa a existência dos dois planetas ao reanalisar as observações disponíveis do HARPS e do HIRES usando diferentes métodos estatísticos dos utilizados por Vogt e colegas.
E em Setembro de 2011, a equipa suíça completou um estudo que se debruçou ainda sobre mais observações do HARPS - um total de 240 observações da velocidade radial. O seu manuscrito foi submetido à revista Astronomy & Astrophysics e está disponível para consulta no site arxiv.org.
As conclusões mais recentes do grupo suíço são praticamente as mesmas anteriormente anunciadas. "O nosso conjunto de dados tem por isso um poder diagnóstico para planetas com os parâmetros de Gl 581f e Gl 581g, e concluímos que é improvável o sistema Gliese 581 conter planetas com essas características," escrevem os cientistas no artigo.
A equipa suíça disponibilizou as 240 observações do HARPS, e Vogt e colegas decidiram fazer as suas próprias análises, que forma o núcleo do seu novo artigo. Chegaram a conclusões bem diferentes. A equipa de Vogt descobre que os dados suportam a existência de 581g enquanto os planetas do sistema estiverem quase todos com órbitas aproximadamente circulares. Esta suposição não é exagerada, afirma Vogt.
"Acredito que a solução das órbitas circulares é a mais defensável e credível," afirma. "Por todas as razões que expliquei em detalhe [no artigo], ganha em relação à estabilidade dinâmica, bondade de ajuste e princípio de parcimónia (Occam's Razor)."
Gliese 581f não aparece nas novas observações levadas a cabo por Vogt e colegas, mas os cientistas afirmam que isso não implica necessariamente que o planeta não exista. "Isto não quer dizer que não poderá ser descoberto num conjunto de dados muito mais abrangente. O artigo actual lida apenas com os 240 novos pontos do HARPS," acrescenta Vogt. "Temos ainda os nossos dados anteriores, e novos dados que continuam a chegar lentamente."
O estudo também põe em causa que a existência de 581g não é incompatível com as descobertas dos artigos estatísticos que o contradizem, no qual a equipa da descoberta diz ter usado um limite de detecção extremamente conservativo. Vogt também disse que a sua equipa não conseguiu reproduzir os dados de 2011 da equipa suíça, sem jogar fora um punhado de observações.
"Os nossos cálculos destas quantidades não coincidem com os apresentados pelos suíços. Por isso, ou estamos a fazer algo errado, ou somos obrigado a concluir que omitiram pontos de dados," afirma Vogt. "Fomos facilmente capazes de obter os mesmos valores ao omitirmos 5 pontos. Não sei se esta omissão foi intencional ou um erro," acrescenta. "Posso apenas dizer que se foi um erro, já o fizeram mais que uma vez, não só neste artigo, como também nos outros."
O estudo liderado por Vogt está também disponível para consulta no site arxiv.org, com publicação prevista para 1 de Agosto na revista alemã Astronomische Nachrichten. Mas Vogt acrescenta que foi primeiro submetido, e aceite, pela revista The Astrophysical Journal. A The Astrophysical Journal não publica o estudo, diz Vogt, até que o artigo da equipa suíça seja formalmente aceite pela Astronomy & Astrophysics. Quando após nove meses, isto ainda não tinha acontecido, Vogt e seus colegas decidiram retirar o artigo e publicá-lo na revista alemã. Vogt realçou que o manuscrito do grupo suíço ainda não foi aceite.
Provavelmente são necessárias mais observações para determinar com certeza quantos planetas orbitam a estrela Gliese 581. Mas a comunidade exoplanetária não está propriamente fixada nesta questão. Os caçadores de planetas extrasolares descobrem cada vez mais mundos para lá do nosso Sistema Solar. O total já está perto dos 800, com milhares ainda a precisar de observações adicionais para uma confirmação mais positiva. E embora os investigadores ainda tenham que descobrir uma Terra verdadeiramente alienígena, estão cada vez mais perto.
Em Dezembro passado, por exemplo, o telescópio espacial Kepler da NASA confirmou o seu primeiro planeta na zona habitável, uma "super-Terra" conhecida como Kepler-22b que se pensa ter 2,4 vezes o tamanho do nosso planeta. E Vogt faz parte de uma equipa anunciou outra super-Terra potencialmente habitável, conhecida como Gliese 667c, em Fevereiro.
"A moral da história é, independentemente de quem eventualmente fica com o título de descobridor do primeiro planeta tipo-Terra habitável, estamos a começar a descobri-los em números inesperados, e inesperadamente perto," afirma Vogt. "Isto significa que existem muitos, muitos outros por aí, pelo menos dezenas de milhares de milhões, só na nossa Galáxia."