Imagem rádio de um sistema binário muito jovem, com menos de 1 milhão de anos, formado no interior de um núcleo denso (contorno oval) na nuvem molecular de Perseu. Todas as estrelas nascem, provavelmente, como binários em núcleos densos.
Crédito: SCUBA-2, Sarah Sadavoy, CfA
Será que o nosso Sol teve um gémeo quando nasceu há 4,5 mil milhões de anos?
Quase de certeza que sim - embora não tenha sido um gémeo idêntico. E, segundo uma nova análise por um físico teórico da Universidade da Califórnia, em Berkeley, e por uma radioastrónoma do Observatório Astrofísico do Smithsonian da Universidade de Harvard, tal como a nossa estrela-mãe, também todas as outras estrelas parecidas com o Sol no Universo.
Muitas estrelas têm companheiras, incluindo a nossa vizinha mais próxima, Alpha Centauri, um sistema triplo. Os astrônomos há muito que procuram uma explicação. Será que os sistemas binários e triplos nascem dessa maneira? Será que uma estrela capturou outra? Será que as estrelas duplas por vezes se separam e se tornam estrelas individuais?
Esta imagem infravermelha captada pelo Telescópio Espacial Hubble contém um objeto brilhante em forma de ventoinha (em baixo à direita), que se pensa ser um sistema binário que emite pulsos de luz à medida que as duas estrelas interagem. O sistema binário primitivo está localizado na região IC 348 da nuvem molecular de Perseu e foi incluído no estudo pela equipa de Berkeley/Harvard.
Crédito: NASA, ESA e J. Muzerolle, STScI
Os astrónomos até procuraram uma companheira do nosso Sol, uma estrela a que apelidaram Némesis porque era suposto ter pontapeado um asteroide até à órbita da Terra, asteroide este que colidiu com o nosso planeta e exterminou os dinossauros. Nunca a encontrámos.
A nova asserção baseia-se num levantamento, no rádio, de uma nuvem molecular gigante repleta de estrelas recém-formadas na direção da constelação de Perseu e num modelo matemático que pode explicar as observações de Perseu somente se todas as estrelas parecidas com o Sol nascerem com uma companheira.
"Estamos a dizer que sim, provavelmente existiu uma estrela Nêmesis há muito tempo atrás," comenta o coautor Steven Stahler, astrônomo da Universidade da Califórnia, em Berkeley.
"Executamos uma série de modelos estatísticos para ver se podíamos explicar as populações relativas de jovens estrelas individuais e duplas de todas as separações na nuvem molecular de Perseu, e o único modelo que consegue reproduzir os dados é aquele no qual todas as estrelas formaram inicialmente binários largos. Estes sistemas, então, ou diminuíram de separação ou separaram-se num espaço de um milhão de anos."
Neste estudo, "largo" significa que as duas estrelas estão separadas por mais de 500 UA (unidade astronômica, onde 1 UA é a distância média entre o Sol e a Terra, cerca de 150 milhões de quilômetros). Uma companheira larga do nosso Sol estaria 17 vezes mais distante do Sol do que o seu planeta mais distante da atualidade, Neptuno.
Com base neste modelo, o gémeo do Sol provavelmente escapou e misturou-se com todas as outras estrelas na nossa região da Via Láctea, para nunca mais ser visto.
"A ideia de que muitas das estrelas se formam em pares já tinha sido sugerida antes, mas a questão era: quantas?" afirma a autora principal Sarah Sadavoy, cientista do Hubble da NASA e do Observatório Astrofísico do Smithsonian. "Com base no nosso modelo simples, afirmamos que quase todas as estrelas se formam com companheiras. A nuvem de Perseu é geralmente considerada uma típica região de formação de estrelas de baixa massa, mas é necessário verificar o nosso modelo noutras nuvens."
A ideia de que todas as estrelas nascem em "ninhadas" tem implicações para além da formação estelar, incluindo as próprias origens das galáxias, comenta Stahler.
Stahler e Sadavoy divulgaram os seus achados no passado mês de abril no servidor arXiv. O artigo foi aceite para publicação na revista Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.
As estrelas nasceram em "núcleos densos"
Os astrônomos especulam sobre as origens dos sistemas binários e múltiplos há já centenas de anos e, nos últimos anos, criaram simulações de computador do colapso de massas de gás para compreender como é que se podem condensar, sob a gravidade, para formar estrelas. Também simularam a interação de muitas estrelas jovens recentemente libertadas das suas nuvens gasosas. Há alguns anos, uma dessas simulações de computador, por Pavel Kroupa da Universidade de Bona, Alemanha, levou-o a concluir que todas as estrelas nasciam como binárias.
No entanto, as evidências diretas permanecem escassas. À medida que os astrônomos procuram estrelas cada vez mais jovens, encontram uma proporção maior de binários, mas o porquê ainda é um mistério.
"O cerne da questão é que nunca ninguém tinha olhado antes, de forma sistemática, para a relação entre as estrelas jovens e as nuvens que as formam," salienta Stahler. "O nosso trabalho é um passo em frente na compreensão de como os binários se formam e também no papel que os binários desempenham na evolução estelar precoce. Pensamos agora que a maioria das estrelas, que são bastante semelhantes ao nosso próprio Sol, formam-se em sistemas binários. Acho que temos as evidências mais fortes, até à data, para tal afirmação."
Segundo Stahler, os astrônomos já sabem há várias décadas que as estrelas nascem dentro de casulos em forma de ovo chamados núcleos densos, espalhados por imensas nuvens frias de hidrogênio molecular, o berçário das jovens estrelas. Através de um telescópio ótico, estas nuvens parecem buracos no céu estrelado, porque a poeira que acompanha o gás bloqueia a luz tanto das estrelas no seu interior como das estrelas no plano de fundo. As nuvens podem, no entanto, ser estudadas por radiotelescópios, dado que os frios grãos de poeira no seu interior emitem radiação nestas frequências e as ondas de rádio não são bloqueadas pela poeira.
A nuvem molecular de Perseu é um desses berçários estelares, localizada a cerca de 600 anos-luz da Terra e mede aproximadamente 50 anos-luz de diâmetro. O ano passado, uma equipa de astrônomos completou um estudo com o VLA (Very Large Array), uma rede de radiotelescópios no estado norte-americano do Novo México, para observar a formação de estrelas dentro da nuvem. Com o nome VANDAM, foi o primeiro levantamento completo de todas as estrelas jovens numa nuvem molecular, isto é, estrelas com menos de 4 milhões de anos, incluindo estrelas individuais e múltiplas com separações até mais ou menos 15 UA. Este levantamento catalogou todas as estrelas múltiplas com uma separação aproximadamente equivalente ao raio da órbita de Úrano - 19 UA - do nosso Sistema Solar.
Stahler ouviu falar do levantamento depois de abordar Sadavoy, membro da equipa VANDAM, pedindo a sua ajuda para observar estrelas jovens dentro de núcleos densos. O levantamento VANDAM produziu um censo de todas as estrelas da Classe 0 - aquelas com menos de 500.000 anos - e da Classe I - aquelas entre 500.000 e 1 milhão de anos. Ambos os tipos de estrelas são tão jovens que ainda não queimam hidrogênio para produzir energia.
Sadavoy pegou nos resultados do VANDAM e combinou-os com observações adicionais que revelam os casulos em forma de ovo ao redor das estrelas jovens. Estas observações adicionais provêm do Levantamento Gould Belt com a câmara SCUBA-2 acoplada ao Telescópio James Clerk maxwell no Hawaii. Ao combinar estes dois conjuntos de dados, Sadavoy foi capaz de produzir um censo robusto das populações binárias e individuais em Perseu, totalizando 55 estrelas jovens em 24 sistemas múltiplos, todos binários à exceção de cinco, e 45 sistemas individuais.
Usando estes dados, Sadavoy e Stahler descobriram que todos os sistemas binários amplamente separados - aqueles com estrelas separadas por mais de 500 UA - eram sistemas muito jovens, contendo duas estrelas de Classe 0. Estes sistemas também tendem a estar alinhados com o eixo longo do núcleo denso em forma de ovo. As estrelas binárias ligeiramente mais velhas, de Classe I, estavam mais próximas umas das outras, muitas separadas por cerca de 200 UA, e não apresentavam a tendência para se alinhar com o eixo longo do ovo.
"Isto não tinha sido visto antes ou sequer testado, e é superinteressante," comenta Sadavoy. "Nós ainda não sabemos exatamente o que significa, mas não é aleatório e deve dizer algo sobre a forma como os binários largos se formam."
Os núcleos em forma de ovo colapsam em dois centros
Stahler e Sadavoy modelaram matematicamente vários cenários para explicar esta distribuição estelar, assumindo a formação típica, a separação e os tempos de encolhimento orbital. Eles concluíram que a única maneira de explicar as observações passa por assumir que todas as estrelas com massas parecidas à do Sol começam como binários largos de Classe 0 em núcleos densos em forma de ovo, e que aproximadamente 60% dos sistemas duplos se separam ao longo do tempo. O resto encolhe para formar binários íntimos.
"À medida que o ovo contrai, a sua parte mais densa é no meio e isso forma duas concentrações de densidade ao longo do eixo," explica. "Estes centros de maior densidade, em algum ponto, colapsam sobre si mesmos graças à sua auto gravidade e formam estrelas de Classe 0."
"Na nossa perspetiva, as estrelas individuais de baixa massa, parecidas com o Sol, não são primordiais," acrescenta Stahler. "São o resultado da dissolução de binários."
A sua teoria implica que cada núcleo denso, que tipicamente corresponde a algumas massas solares, converte duas vezes mais material em estrelas do que se pensava anteriormente.
Stahler há já mais de 20 anos que pede aos radioastrônomos para compararem núcleos densos com as suas jovens estrelas embebidas, a fim de testar as teorias de formação de estrelas binárias. Os novos dados e o novo modelo são um começo, diz, mas é necessário mais trabalho para entender a física por trás.
Tais estudos podem vir em breve, porque as capacidades do agora atualizado VLA e do ALMA no Chile, além do levantamento com o SCUBA-2 no Hawaii, "estão finalmente a fornecer-nos os dados e as estatísticas que precisamos. Isto vai mudar a nossa compreensão dos núcleos densos e das estrelas embebidas no seu interior," conclui Sadavoy.