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sexta-feira, 1 de setembro de 2017

AS ORIGENS DA VIA LÁCTEA NÃO SÃO O QUE PARECEM


Um par de galáxias vizinhas onde a "transferência intergaláctica" pode estar a ocorrer.
Crédito: Fred Herrmann
Numa análise inédita, astrofísicos descobriram que, ao contrário do que se pensava anteriormente, até metade da matéria da nossa Via Láctea pode ter vindo de galáxias distantes. Como resultado, cada um de nós pode ser feito, em parte, de material extragaláctico.
Usando simulações de computador, a equipa de investigação encontrou um novo e importante modo como as galáxias, incluindo a nossa Via Láctea, obtiveram a sua matéria: transferência intergaláctica. As simulações mostram que as explosões de supernova expelem quantidades tremendas de gás das galáxias, o que faz com que os átomos sejam transportados de uma galáxia para outra através de poderosos ventos galácticos. A transferência galáctica é um fenómeno recém-identificado, cujas simulações indicam ser fundamental para compreender como é que as galáxias evoluem.
"Tendo em conta que a quantidade de matéria a partir da qual somos formados pode ter vindo de outras galáxias, poderíamos considerar-nos viajantes espaciais ou imigrantes extragalácticos," comenta Daniel Anglés-Alcázar, pós-doutorado do centro de astrofísica CIERA (Center for Interdisciplinary Exploration and Research in Astrophysics) da Universidade Northwestern, no estado norte-americano do Illinois, que liderou o estudo. "É provável que grande parte da matéria da Via Láctea estivesse noutras galáxias antes de ser expulsa por ventos poderosos, de viajar pelo espaço intergaláctico e de, eventualmente, encontrar o seu novo lar na Via Láctea."
As galáxias estão muito distantes umas das outras, assim que embora os ventos galácticos se propaguem a várias centenas de quilómetros por segundo, este processo ocorre ao longo de vários milhares de milhões de anos.

A Galáxia do Cata-Vento, ou M101, uma das galáxias espiral mais parecida com a Via Láctea.
Crédito: ESA, NASA
O professor Claude-André Faucher-Giguère e o seu grupo de pesquisa, juntamente com colaboradores do projeto FIRE ("Feedback In Realistic Environments"), que ele codirige, desenvolveram simulações numéricas sofisticadas que produziram modelos tridimensionais e realistas de galáxias, seguindo a formação de uma galáxia logo após o Big Bang e até ao presente. Anglés-Alcázar desenvolveu então algoritmos topo-de-gama para "minar" este tesouro de dados e quantificar como as galáxias adquirem matéria do Universo.
O estudo, que exigiu o equivalente a vários milhões de horas de computação contínua, foi publicado no dia 27 de julho na revista Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.
"Este estudo transforma a nossa compreensão de como as galáxias se formaram a partir do Big Bang," realça Faucher-Giguère, coautor do estudo e professor assistente de física e astronomia no Colégio Weinbeng de Artes e Ciências.
"O que este novo modo implica é que até metade dos átomos que nos rodeiam - inclusive no Sistema Solar, na Terra e em cada um de nós - não vêm da nossa própria Galáxia, mas de outras galáxias, até um milhão de anos-luz de distância," acrescenta.
Ao rastrear, com detalhe, os fluxos complexos de matéria nas simulações, a equipa de investigação descobriu que o gás é transportado de galáxias mais pequenas para galáxias maiores, como a Via Láctea, onde este produz estrelas. Esta transferência de massa, através de ventos galácticos, pode representar até 50% da matéria nas galáxias maiores.
"Nas nossas simulações, conseguimos traçar as origens das estrelas em galáxias parecidas com a Via Láctea e determinar se a estrela se formou a partir de matéria endémica à própria galáxia ou se se formou, ao invés, a partir de gás oriundo de outra galáxia," comenta Anglés-Alcázar, o autor correspondente do estudo.
Numa galáxia, as estrelas estão ligadas: uma grande coleção de estrelas em órbita de um centro de massa comum. Após o Big Bang, há quase 14 mil milhões de anos, o Universo estava preenchido com um gás uniforme - sem estrelas, sem galáxias. De seguida, tiveram lugar pequenas perturbações no gás, e estas começaram a crescer pela força da gravidade, eventualmente formando estrelas e galáxias. Depois da formação das galáxias, cada tinha a sua própria identidade.
"As nossas origens são muito menos locais do que pensávamos anteriormente," afirma Faucher-Guigère, membro do projeto CIERA. "Este estudo dá-nos uma ideia de como as coisas em nosso redor estão ligadas com objetos distantes no céu."
Os achados abrem uma nova linha de investigação na compreensão da formação galáctica, dizem os cientistas, e a previsão da transferência intergaláctica pode agora ser testada. A equipa de Northwestern planeia colaborar com astrónomos observacionais que trabalham com o Telescópio Espacial Hubble e com observatórios terrestres para testar as previsões das suas simulações.

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